domingo, 4 de setembro de 2011

Os melhores álbuns de sempre - #1 - Neutral Milk Hotel - In The Aeroplane Over The Sea [1998]

Um dos álbuns mais polémicos de todos os tempos foi o segundo álbum de estúdio dos míticos Neutral Milk Hotel, suscitando ainda hoje opiniões diversas na indústria musical.
Este álbum é pessoal de uma maneira que nenhum outro álbum foi. In The Aeroplane Over The Sea foi pensado por Jeff Mangum após a leitura d'O Diário de Anne Frank. Meio mundo ficou sensibilizado com a história desta rapariga alemã, que viveu a maior parte da sua vida em Amsterdão, tendo acabado por morrer no campo de concentração de Belsen. A temática de Aeroplane gira à volta do fascínio que Jeff Mangum sente por Anne Frank. Começa de uma forma bastante acessível, com The King of Carrot Flowers Part 1, que relata memórias de criança, discussões entre os pais que ajudavam na descoberta do uso do corpo humano e o facto de haver amor num mundo que parece ser depressivo e violento. Mangum transporta-nos para um novo mundo que corresponde ao seu imaginário mágico e sombrio.

And one day we will die
And our ashes will fly from the aeroplane over the sea
But for now we are young
Let us lay in the sun
And count every beautiful thing we can see


Há um momento de viragem na title track, In The Aeroplane Over The Sea, em que passamos de mensagens que nos dizem para viver a vida ao máximo, palavras que podiam ser ditas pela Anne Frank, para descrições de uma relação que Jeff Mangum estabelece com a rapariga dos seus sonhos assim que começa a ler o seu diário: How I would push my fingers through your mouth to make those muscles move. That made your voice so smooth and sweet , prometendo que se vão encontrar um dia nas nuvens e dizendo uma das minhas frases preferidas do álbum inteiro: How strange it is to be anything at all.



Em Two-Headed Boy, para mim a melhor música do álbum, apercebemo-nos que Jeff Mangum está apaixonado por Anne Frank, ou pelo menos pelo que ela simboliza. O poder desta música está na sua intimidade estranha, sexual e avassaladora. As duas cabeças de um rapaz, que é Jeff Mangum, correspondem à realidade e aos seus sonhos. Anne Frank está sempre presente à noite, nos seus sonhos.

We will take off our clothes
And they'll be placing fingers through the notches in your spine
And when all is breaking
Everything that you could keep aside
Now your eyes ain't moving now
They just lay there in their climb


(...)

Silver speakers that sparkle all day
Made for his lover who's floating
And choking with her hands across her face




A voz de Mangum é atípica e é compreensível que seja criticada por pessoas que não compreendem que o verdadeiro valor de uma voz está na sua capacidade de transmitir o mais variado tipo de emoções. As referências às texturas do corpo humano e ao sexo podem também estar relacionadas com as vítimas do holocausto e o uso que os nazis faziam do corpo das vítimas. Jeff Mangum cruza uma tragédia horripilante com uma história de amor. Apercebe-se ainda que tem de seguir em frente mais tarde ou mais cedo, mas tendo sempre em mente que o seu verdadeiro mundo está nos seus sonhos. Nasceu demasiado tarde para amar a sua alma-gémea, afirmando mais tarde: The only girl I've ever loved was born with roses in her eyes, but then they buried her alive, one evening,1945 na música mais mexida do álbum, Holland, 1945.



Em Communist Daughter, Mangum retrata a realidade do comunismo, que pode parecer encantador mas que na realidade foi corrompido, referindo a história de uma rapariga usada e abusada sexualmente, mais uma referência indirecta a Anne Frank. O seu fantasma vive dentro do corpo de Jeff Mangum. Em Oh Comely, um momento de uma intensidade fora de série, ouvimos mais uma vez a história de uma rapariga que mantem uma relação puramente sexual com um homem, sendo bastante abusada. A meio da música, Jeff Mangum afirma querer guardar Anne Frank numa máquina do tempo.

Place your body here
Let your skin begin to blend itself with mine


Quer que ela faça parte de si, que o seu fantasma nunca abandone o seu corpo. Este tema mantem-se até ao fim do álbum, com Two-Headed Boy Part 2.





Um álbum revolucionário em termos musicais, marco do lo-fi dos anos 90, que juntou baladas intensas com momentos dançáveis e outros sombrios, intrigante pelas suas letras que conseguem fazer com que qualquer pessoa se perca e se deixe ir. A última música contém a mensagem principal do álbum. Se uma pessoa faz algo memorável ou se torna realmente importante para alguém, não é a morte que a vai tirar deste mundo. Anne Frank é imortal e qualquer pessoa o pode ser. Entrámos na cabeça de Jeff Mangum, que criou algo muito arriscado, referindo-se a Deus como um lugar e não um ser espiritual. Este álbum, tal como Anne Frank, nunca vai morrer.